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  • Foto do escritorCarolina Ghilardi

Das mortes às razões: o aumento explosivo do número de óbitos no cárcere paranaense

O que aconteceu para os índices de mortes no sistema penitenciário paranaense terem aumentado 117% no período de 2014 a 2017?


Reportagem: Amanda Kurlapski, Carolina Ghilardi e Luísa Menegatti



O Brasil é dono da terceira maior população penitenciária do mundo, perde apenas para os Estados Unidos e a China. Com uma taxa de superlotação carcerária de 166%, o país contava com 812.564 presos em julho de 2019, segundo dados levantados pelo Banco de Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Hoje, cerca de 430 mil vagas precisam abrigar mais de 812 mil encarcerados nos presídios brasileiros. Os dados são do estudo "Sistema Prisional em Números", divulgado em agosto pela comissão do Ministério Público, responsável por fazer o controle externo da atividade policial.


No Paraná, dados apontam que, neste mês, existem 7.324 presos a mais nas penitenciárias. São 28.280 detentos para uma capacidade de 20.956 vagas, segundo o levantamento do Mapa Carcerário do Estado do Paraná, realizado pela Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar) e disponibilizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Desse número, 26.924 são homens e 1.356 são mulheres.

Atestado de óbito


De acordo com a análise feita através da base de dados do Infopen, em sete anos e meio, do segundo semestre de 2005 à junho de 2013, os relatórios indicaram 112 mortes no estado do Paraná, divididas nas categorias de morte natural, criminal, suicídio, acidental e de causa desconhecida. Já no tempo de três anos, do primeiro semestre de 2014 à junho de 2017, o índice totalizou 210 mortes, apresentando um aumento de 87,5% nas mortes anuais, sendo que o de mortes naturais foi de 117%. Do período completo de junho à dezembro de 2005 até junho de 2017, é possível visualizar as categorias e os números de mortes em relação aos anos nos gráficos abaixo:



Mortes nas penitenciárias do Paraná, de 2005 a 2017:



Causa das mortes nas penitenciárias do Paraná, de 2005 a 2017:

Total de mortes por categoria, de 2005 a 2017:


De 2014 em diante


Em 2014 foram registradas 22 rebeliões em todo o Paraná. Na Penitenciária Estadual de Cascavel, na região oeste, ocorreu a última rebelião dessa série, com 45 horas de duração, cinco pessoas mortas (sendo duas decapitadas) e sete servidores feridos. Outros motins foram registrados em Guaíra, Marechal Cândido Rondom, Ubiratã, Piraquara e Guarapuava.


A agente penitenciária Fernanda Morais* explica que, mesmo que essa série de rebeliões não tenha sido de extrema violência, como as que aconteceram no norte do país recentemente, esses eventos perturbam a ordem do sistema penitenciário, pois é necessário fazer transferências dos líderes do motim para outras penitenciárias do estado. Leva um certo tempo para restabelecer a ordem, gerenciar a crise e cessar o caos que se instaurou, por isso o número de mortes, ainda que naturais, tendem a aumentar.


Ao analisar os dados do Depen, no Paraná, constatou-se que o Complexo Médico Penal é o estabelecimento penitenciário líder em mortes no estado. No ano de 2014, a penitenciária registrou o maior número de mortes do ano, com 15 óbitos. Já em 2015, atingiu 29 mortes. No segundo semestre de 2016, o CMP foi líder novamente das mortes, com 8 registros. Por fim, de janeiro a junho de 2017, a penitenciária também contou com o maior número, confirmando 5 óbitos no semestre. A justificativa para esta liderança, pode se explicar porque o CMP é destinado principalmente a detentos que necessitam de tratamento médico devido a ferimentos, doenças ou problemas psiquiátricos.


Contraste CMP, em comparação com outros centros penitenciários, de 2014 a 2017:



Das razões


Da explosão de óbitos ocorridos a partir de 2014 nas penitenciárias do Paraná, é somente possível justificar nove das 165 mortes que foram classificadas pelos relatórios do Infopen como causas naturais e/ou doenças. Ao consultar a base de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), o Datasus, no período de janeiro de 2014 à dezembro de 2017, a equipe de reportagem constatou que nove mortes foram causadas por tuberculose em Pessoas Privadas de Liberdade (PPL) nos municípios de Foz do Iguaçu, Guarapuava, Londrina, Pinhais e Ponta Grossa.


O Ministério da Saúde afirma que indivíduos em situação de privação de liberdade possuem mais chances de contaminação e proliferação da tuberculose. De acordo com o órgão, essa população contribui com 10,5% dos casos novos de tuberculose notificados no país, com 7.559 casos novos registrados em 2018.


A tuberculose é uma doença infecciosa causada por uma micobactéria tuberculosa, caracterizada por ser altamente patogênica e provocar, além da tuberculose, a hanseníase. De acordo com o Ministério da Saúde, a cada ano, são notificados aproximadamente 70 mil casos novos e ocorrem cerca de 4,5 mil mortes em decorrência da doença no país.


Dados do Infopen afirmam que a quantidade de pessoas com agravos transmissíveis no Paraná ultrapassou a marca de 520 indivíduos em três anos, durante o período de janeiro de 2014 até junho de 2017. Como explica o médico clínico geral, Victor Borsani, é necessário que haja um contato muito próximo para causar a proliferação efetiva da doença. “Morar junto ou ficar em aglomerações, por um período prolongado, são alguns exemplos. Contatos mais rasos, como em escritório ou ônibus, por exemplo, não são suficientes para a contaminação. É necessário que haja um contato diário e bem próximo”, afirma.

A aglomeração por tempo prolongado acontece agressivamente no sistema carcerário do estado paranaense, considerando os altos níveis de superlotação. A partir disso, o tratamento da doença apresenta certas diretrizes, como o médico confirma.


“A tuberculose demanda um isolamento por máscara, tanto para o paciente quanto para o profissional de saúde que entrar em contato nos primeiros meses. Os outros indivíduos que entraram em contato com o paciente efetivamente contaminado, por um período longo, também devem receber tratamento com antibióticos pós-exposição”, explica. “O tratamento para o paciente, dependendo do estágio da doença, se for, por exemplo, tuberculose latente, que acarreta os principais casos, chega até 9 meses”, diz.


O Datasus considera a População Privada de Liberdade aquela definida pela Secretaria de Administração Penitenciária, ou seja, pessoas privadas de liberdade no sistema prisional estadual, seja penitenciária ou presídio, e nas carceragens das delegacias, além daquelas cumprindo medidas socioeducativas de restrição de liberdade. Entretanto, não é possível identificar a instituição prisional onde as mortes por tuberculose ocorreram. Nos municípios descritos, encontram-se cadeias públicas, penitenciárias, centros de regime semiaberto, centros de reintegração social, penitenciária industrial e o Complexo Médico Penal.

Casos de tuberculose no Paraná, de 2005 a 2013, por município:



Casos de tuberculose no Paraná, de 2014 a 2017, por município:


Nem só de pão vive o homem, nem só de doença morre o preso

Doenças podem acometer qualquer cidadão, seja a população brasileira externa ou aquela privada de liberdade, apesar de o sistema carcerário no Brasil ser conhecido por suas deficiências, pela insalubridade e superlotação das celas, fatores que auxiliam na proliferação de epidemias e contágio de doenças.


Dentre as tantas mortes naturais registradas durante o período de 2014 a 2017 nos estabelecimentos prisionais do Paraná, há a possibilidade de algumas mortes não serem de juízo natural, mas sim criminal.


E como isso acontece? O erro não está no preenchimento incorreto de um dado no sistema, mas sim na análise da causa da morte e, consequentemente, na classificação. A agente penitenciária Fernanda Morais* explica que dentro dos presídios e penitenciárias existem pessoas “decretadas”, jargão que representa alguém que por algum motivo está marcado para morrer, seja por problemas com facções rivais, conflito com a ética da facção pertencente, dívidas, ou qualquer outro motivo que “justifique” o desejo pela morte de outro.


“Às pessoas ‘decretadas’ são oferecidas duas opções: ou a morte por enforcamento, ou por ingestão de ‘gatorade’. O ‘gatorade’ é uma bebida feita com água e diversas substâncias que os presos conseguem acumular, como remédios, ansiolíticos, diazepam, e drogas como cocaína, LSD e Ecstasy em alta quantidade” explica Fernanda*.


Não é possível prever com exatidão os efeitos do “gatorade”, mas está certo que o uso desses componentes em altas doses pode induzir danos e riscos cardiovasculares. Em pacientes suscetíveis podem ocorrer infarto, arritmia, riscos hepáticos, e até a morte, se não tratados em tempo hábil, explica o clínico geral Borsani.


A equipe de reportagem averiguou, junto à Polícia Civil do Paraná, dois casos divulgados pela mídia de suspeita de morte por “gatorade” no estado. O primeiro caso aconteceu em 2018, na Cadeia Pública de Toledo, e havia a suspeita de três mortes causadas pela substância. E o segundo caso aconteceu em 2017, na Penitenciária Estadual de Piraquara, envolvendo o detento Ademilson Verci Marcondes, também com suspeita de morte por “gatorade”. O parecer da Polícia Civil foi o seguinte: “Sobre Toledo, das três mortes, duas delas, segundo laudos iniciais, foram causados por ‘gatorade’. Já sobre o Marcondes, laudos iniciais também indicaram que a morte foi causada pela substância. As investigações seguem em andamento para identificar ainda se a morte foi suicídio ou um crime”, diz.



Cadê as informações que deveriam estar aqui?


A falta de centralidade e transparência de informações das causas de mortes de presos no Brasil impede uma análise e apuração detalhada do que tem acontecido no sistema prisional e quais são as causas das mortes mais comuns entre os detentos. Os relatórios do Infopen não informam as causas da mortes naturais e/ou por doenças. A Coordenação do Sistema Nacional de Informação Penitenciária, ao ser consultada através de um pedido de Lei de Acesso à Informação, respondeu que também não tem esses dados. O Datasus, apesar de listar todas as causas de mortes possíveis ocorridas no país, não oferece nenhum filtro para descobrir se as mortes aconteceram com detentos e em instituições prisionais. A reportagem tentou obter as informações das causas de mortes do Complexo Médico Penal em Pinhais, mas ainda não obteve resposta.


*nome fictício para preservar a identidade e segurança da entrevistada.

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